O Biofármaco é um medicamento obtido por um processo biotecnológico, ao contrário do remédio comum, que é obtido a partir de um princípio ativo quimicamente definido, tanto de fontes da natureza (animal ou vegetal) como criado em laboratório. No caso das toxinas com interesse farmacológico, há uma limitação na quantidade que pode ser obtida do animal, impedindo o uso mais abrangente em testes ou terapias.
Para resolver este problema, são empregadas diversas técnicas de engenharia genética, que visam isolar os genes de diferentes toxinas. Essas técnicas possibilitam a expressão (produção) em organismos diferenciados, como: bactérias, leveduras, células de insetos ou até mesmo humanas. A mesma tecnologia pode ser empregada para a produção de antígenos, que são substâncias usadas na vacinação e capazes de provocar a reação do sistema imunológico à doença.
Um exemplo bem conhecido do uso de engenharia genética para a produção de um biofármaco é o caso da insulina, produzida por uma bactéria que teve o gene da insulina incorporado ao seu genoma.
O Instituto Butantan, por meio de pesquisas realizadas nos laboratórios da Divisão Científica e da Divisão de Desenvolvimento Tecnológico e Produção, tem projetado e desenvolvido diversos biofármacos, como o surfactante pulmonar (Biotecnologia), o anticorpo monoclonal Anti-CD3 (Laboratório de Biofármacos em Células Animais), a Amblyomina X (Laboratório de Bioquímica e Biofísica) e a Crotalfina (Laboratório de Dor e Sinalização), escolhidos para ilustrar esse jogo. Outros importantes Biofármacos desenvolvidos no Instituto Butantan são: vacina contra Hepatite B, Lopap e Crotamina.
O Laboratório de Bioquímica e Biofísica do Instituto Butantan já pesquisou, em outra época, mecanismos relacionados a coagulação sanguínea, utilizando-se de animais hematófagos (aqueles que se alimentam de sangue) como, por exemplo, as sanguessugas. Como esses animais conseguem impedir a coagulação sanguínea ao se alimentarem?
Há aproximadamente dez anos, um dos alvos de pesquisa no Laboratório passou a ser o “carrapato estrela” - Amblyoma cajennense, também hematófago, iniciando-se o estudo de sua saliva, com o objetivo de encontrar uma fração que inibisse a coagulação. E ela foi encontrada. Era uma proteína que inibia uma fase importante do processo de coagulação sanguínea, e foi batizada de Amblyomina-X (Amblyomina por causa do nome científico do carrapato, e X é o dez romano, pois inibe o fator 10, que é ativado na coagulação sanguínea). Em virtude da dificuldade em se trabalhar com essa molécula, usaram-se técnicas de engenharia genética, visando expressar essa proteína em bactérias, produzindo-a em grande quantidade no laboratório. Verificou-se que, além de inibir a coagulação, a molécula mostrou-se um eficiente biofármaco anticancerígeno, com resultados significativos em tumores do tipo melanoma, pancreáticos e renais, sem provocar efeitos indesejados, evidenciando a sua baixa toxicidade. Esse produto, como outros, com apoio do Centro de Pesquisas, Inovação e Difusão - CEPID/FAPESP, Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), CeTICS, BNDES e Indústria Farmacêutica foi patenteado, passou por testes de segurança e eficácia e está entrando em testes clínicos.
É uma proteína obtida a partir das cerdas que recobrem o corpo da taturana Lonomia obliqua (inseto, lepidóptero, saturnídeo), que pode transformar-se em um medicamento multifuncional, com participação ativa na coagulação e remodelagem tecidual. Sua produção como proteína recombinante a partir de bactérias geneticamente modificadas, que permite uma grande produção, já está patenteada. O seu desenvolvimento foi realizado no Laboratório de Bioquímica e Física do Instituto Butantan (IBu), contando com o apoio do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT) e da FAPESP.
Qual o significado desse produto biotecnológico de nome tão complicado? E o que acontece na sua ausência? Tecnicamente, em termos médicos, é mais difícil ainda o que ocorre: Síndrome de Desconforto Respiratório (SRD), uma ocorrência médica responsável por um significativo índice de mortalidade infantil, principalmente entre recém-nascidos prematuros.
A causa desse acontecimento dramático é a ausência de uma substância natural, surfactante pulmonar, que é produzida apenas no final da gravidez, quando o pulmão do recém-nascido não está ainda perfeitamente desenvolvido, impedindo a proteção dos alvéolos pulmonares (região onde se processam as trocas gasosas), que, então, não se abrem.
O procedimento salvador é aplicar imediatamente uma dose dessa substância faltante, impedindo a morte do recém-nascido.
O surfactante é um Biofármaco produzido a partir do pulmão dos suínos (porcos) sendo o seu uso inócuo para humanos, ou seja, não causa danos. O processo de fabricação usa a pesquisa técnica original desenvolvida a partir de 1997, que constou inicialmente de sucessivos processos de ultracentrifugação dos pulmões, realizada no Centro de Biotecnologia do Instituto Butantan, que patenteou o processo.
De onde vem esse grande número de pulmões suínos necessários? Eles foram fornecidos por meio de uma parceria com a indústria de alimentos Sadia, que abate muitos animais e não aproveita os respectivos pulmões. Assim, depois de lavados e moídos, eles foram remetidos ao Butantan.
A produção desse Biofármaco tem alto significado social, considerando-se que o seu preço será de aproximadamente um quinto do valor do produto importado, permitindo a aquisição de quantidades suficientes pelo Ministério da Saúde para suprir o país e evitar a morte de milhares de prematuros. O produto nacional já passou por ensaios clínicos de validação, sendo tão seguro e eficaz quanto os importados.
As pesquisas para o desenvolvimento do surfactante prosseguem no Centro de Biotecnologia, prevendo-se o desenvolvimento de novos Biofármacos para utilização em adultos vitimados por moléstias respiratórias, além do uso de derivados no controle de hemorragias durante cirurgias. O projeto resultou na construção da fábrica de surfactante, que foi financiada em conjunto pela FAPESP e pelo Ministério da Saúde.
Cada um de nós é um ser único, com identidade genética própria, que não se repete em outras pessoas, com exceção dos gêmeos univitelinos. Por essa razão, nosso sistema imune reconhece nossas células e estranha aquelas que não são nossas. No caso da necessidade de um transplante, o órgão a ser transplantado vem de outra pessoa, e contém marcas genéticas diferentes das nossas. Esse fato causa a rejeição do órgão transplantado, o que deve ser evitado para o sucesso do enxerto e para que o transplantado recupere a função do órgão debilitado.
Uma das marcas que provoca a rejeição tem o nome de CD3 e está presente em células do sistema imune chamadas de linfócitos T. Para driblar a ação do CD3 e impedir que o órgão transplantado seja rejeitado, os cientistas criaram no laboratório um anticorpo monoclonal chamado anti-CD3, que tira de circulação exatamente o fator que desencadeia o processo da rejeição celular. Anticorpos monoclonais surgem a partir de um único linfócito que é clonado e imortalizado, produzindo sempre os mesmos anticorpos em resposta a um agente patógeno qualquer. Passados alguns dias do tratamento com anti-CD3, driblando o sistema imune, o transplante deixa de ser visto como estranho e a rejeição celular aguda fica controlada.